terça-feira, 30 de novembro de 2021
Figura 1. Efeito do tremor de 30/11/1986, de magnitude 5.1, na área epicentral. Foto de Joaquim Ferreira.
Hoje, 30/11, em 1986, ocorreu o maior tremor de terra da sequência de
sismos de João Câmara, que se estendeu até 1993, tendo sido registrados
mais de 50 mil tremores, de magnitudes variadas, na sua maioria
microtremores, registrados nos instrumentos mas não sentidos pela
população, até sismos de magnitude acima de 2.0 claramente identificados
como tal por seu som, vibrações ou efeitos nas edificações, como pode
ser visto na Figura 1, acima.
Para a população de João Câmara e
para as pessoas envolvidas com esses acontecimentos, esses fatos foram
marcantes em suas vidas. Do pessoal que esteve na região para estudar os
fenômenos, da UFRN, da UnB e da USP, já existem dois relatos dessa
época de José Alberto Veloso (O terremoto que mexeu com o Brasil) e de
Mário Takeya (João Câmara, 1986. Os abalos sísmicos e seus efeitos),
lançados respectivamente nos 25 anos e 30 anos de rememoração dessa
data. Este ano Veloso está lançando uma série de vídeos alusivos ao tema
(video). Esperava ter um
livro pronto para a rememoração dos 35 anos mas não foi possível. Tenho
muitas memórias desses eventos e de outros no próprio RN, no Ceará e em
Pernambuco.
Desde o início da sequência, a UFRN esteve ligada a
esses eventos, tendo realizado uma viagem de campo para levantamento de
dados macrossísmicos no começo de agosto da qual participei, juntamente
com Mário Takeya, João da Mata Costa e Francisco Hilário Rego Bezerra,
então estudante de Geologia e bolsista no laboratório. Esse trabalho
contou com o apoio do prefeito de João Câmara, José Ribamar Leite. A
magnitude dos eventos aumentou, chamando a atenção da UnB, que veio
instalar uma estação em João Câmara após o evento do dia 21/08 que teve
magnitude 4.2 tendo sido sentido inclusive em João Pessoa e Recife.
A instalação da estação contou com o apoio logístico da UFRN,
disponibilizando baterias e veículo, tendo participado dessa viagem,
pela UnB, Juraci Carvalho, e pela UFRN, Joaquim Ferreira, Mário Takeya e
José Antônio de Morais Moreira, além do motorista Sr. José Aparecido.
Juraci e Mário, com apoio da prefeitura, foram instalar a primeira
estação sismográfica em João Câmara (JC01), no sítio de Pedra D'Água, de
propriedade do Senhor Abel. Posteriormente a filha do Senhor Abel,
Aparecida, foi treinada e, durante muitos anos foi a operadora da
estação.
Enquanto Juraci e Mário instalavam a estação eu e
Moreira fomos ver o efeito do tremor no norte de João Câmara, no limite
com o município de Poço Branco. Passamos pelo Matão e entrevistamos o
Sr. Jovelino da Silva. A casa dele, de tijolo duplo, havia sofrido
pequenos danos, só algumas trincas. Fomos para Samambaia onde os danos
eram maiores. Daí seguimos rumo a Lagoa Rachada e Baixa de São Miguel os
os estragos eram bem maiores, em particular nas residências do Sr.
Aprígio e do Sr. Francisco Virgulino (Figura 2).
A atividade sísmica continuou tendo sido instaladas outras estações
pela equipe da UnB/UFRN. O esclarecimento da população era feito,
inicialmente, no contato direto com a mesma e, posteriormente, foi
organizada uma grande palestra no final de agosto com a participação da
UFRN (Joaquim, Mário e João da Mata), UnB (Veloso e Juraci) e CDM
(Ronaldo Diniz). Como então a atividade estava decrescendo havia uma
crença geral de que continuaria assim com um ou outro evento perceptível
pela população. No entanto, no começo de setembro, dois novos tremores
de magnitude 4.1 ocorreram nos dias 02 e 05 ensejando a equipe da USP,
chefiada por Jesus Berrocal, com a colaboração da UFRN, a colocar novas
estações na região. E, de novo, a atividade diminuiu ...
Durante
esse tempo, além de sismólogos, geólogos e outros geocientistas
estiveram na região e, João Câmara já tinha virado um caso a ser
estudado. A Petrobrás trouxe Cinna Lomnitz, renomado sismólogo mexicano
para a região. A CPRM, então dirigida por Carlos Oiti Berbet também
enviou pessoas para lá. O ON enviou o geólogo Cláudio Gallardo para
estudar possível correlação entre falhas mapeadas e os eventos sísmicos e
realizou, nos dias 11 e 12 de novembro o Simpósio Sismicidade na Região
de João Câmara-RN, onde, entre outros trabalhos, foram apresentados os
resultados preliminares da localização dos sismos. O fato mais
importante do simpósio foi a afirmação de Lomnitz de que, devido ao
tamanho da falha naquela altura, ou as magnitudes estavam erradas, e ele
conferiu com o USGS e não estavam ou então, havia a possibilidade da
ocorrência de um sismo de maior magnitude na região, o que de fato veio a
ocorrer no fim do mês.
E no dia 30, de madrugada, estava com
insônia, me levantei e fiquei vendo um filme na TV. Como estava havendo
uma reforma na casa, a televisão estava em cima da mesa e começou a
trepidar, acompanhada por um ruído como se um caminhão pesado estivesse
passando na rua. Logo percebi do que se tratava. Liguei para o
secretário de Interior e Justiça, Dr. Manoel de Brito, responsável pela
Defesa Civil no RN,se tinham um veículo para nos deslocarmos até João
Câmara mas a secretaria só voltaria a funcionar na segunda feira. Então,
com meu vizinho Manoel Lucas, engenheiro e professor da UFRN, minha
mulher Lili, fomos apanhar Mário Takeya no apartamento dele e seguimos
para João Câmara em meu fusca. Já pelo caminho cruzamos com carros e
caminhões que vinham com a população vindo em sentido oposto.
Quando chegamos na região pegamos a estrada do Matão rumo a Samambaia. E
logo deparamos com a casa do Sr. Jovelino, de parede dupla, que quase
nada sofrera com o sismo de 21/08 e que agora estava posta abaixo
(Figura 1). Uma filha dele, que ficara entre os escombros já havia sido
socorrida e estavam agora acolhidos numa casa de taipa. E continuamos
por Samambaia, Lagoa Rachada e Baixa de Sâo Miguel. Os estragos eram
grandes e o medo era muito. Só depois iríamos para João Câmara. São
momentos que marcaram a vida dos camaranenses e das pessoas envolvidas
na pesquisa desses tremores que tentavam explicar mas, que no fundo,
sabiam que não podiam controlar o imponderável.
Esse foi o auge
da atividade sísmica, que ainda continuou, e, em março de 1989 um novo
tremor de magnitude da ordem de cinco (5.0) abalaria a região na parte
norte da chamada Falha de Samambaia. De vez em quando algum evento
ocorre e sempre o ano de 1986 volta a ser lembrado. Uma visualização dos
maiores eventos na região está mostrada na Figura 3.
Fonte: Sismos do Nordeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário