Iniciado em 2016, projeto Retratando com Afeto foi oficializado no Hospital Universitário Ana Bezerra em 2023 e passou a contar com participação de alunos de cursos nas áreas de saúde da UFRN.
Por Igor Jácome, g1 RN
Nascimento de bebê no Hospital Ana Bezerra, em Santa Cruz, RN — Foto: Cláudia Michele
"Aproveite o momento com sua esposa. Pode deixar que tiro as fotos". Foi com uma resposta simples a um pai à espera do nascimento do filho, e que perguntou se poderia registrar o momento com o celular, que a técnica de enfermagem Cláudia Michele Teixeira da Silva deu início a um projeto que já dura oito anos. O projeto foi oficializado no ano passado pelo Hospital Universitário Ana Bezerra, no interior do Rio Grande do Norte.
Cláudia Michele estava começando a trabalhar na unidade localizada no município de Santa Cruz, a 100 km de Natal, quando teve a iniciativa. Ela conta que encontrou no projeto "Retratando com Afeto" uma ação de saúde humanizada sobre a qual tanto ouviu durante sua formação.
"Eu queria entender o que eu podia fazer para tornar mais belo aquele processo. Porque o nascer já e muito bonito. Como eu já era apaixonada por foto, fiz a proposta para o pai, depois recebi muitos elogios e vi que ali eu tinha muito o que construir", lembra.
Mesmo sem experiência anterior com fotografia, a profissional passou a pedir os aparelhos celulares dos próprios pacientes para registrar os partos na unidade, que é vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e à rede Ebserh. A ação foi bem recebida pelas famílias e, com o passar do tempo, ela aprimorou cada vez mais as técnicas, sempre com o celular.
"Eu quero que o pai viva aquele momento. Eu o chamo e digo: 'venha viver o momento mais lindo da sua vida. Segure a mão da mamãe e deixe que eu vou tirar as fotos'" relata.
Bebê é fotografado sobre a mãe instantes após o parto no Hospital Ana Bezerra, em Santa Cruz — Foto: Cládia Michele/Cedida
O projeto se tornou tão conhecido na unidade, que algumas pessoas já chegam ao hospital perguntando se a "enfermeira fotógrafa" está de plantão naquele dia.
Em um plantão de fim de semana, Cláudia conta que uma paciente chegou ao local gritando e chorando muito. Questionada sobre o que a equipe poderia fazer para que ela se acalmasse, a mulher perguntou se a fotógrafa do hospital poderia registrar o parto.
"Eu não estava de plantão nesse dia, mas a equipe se comprometeu a registrar tudo", conta.
Além das fotos, o projeto se expandiu e passou a contar com outras atividades. A profissional, que também tem curso superior em enfermagem, faz "prints" - pinturas feitas com as placentas das parturientes - entre outras lembranças para pais e filhos.
Mãe segura bebê após o parto no Hospital Ana Bezerra, no RN — Foto: Cláudia Michele
Os pais ou outros acompanhantes da gestante também são incentivados a cortar o cordão umbilical. Até cartinhas, dos pais para os bebês e dos bebês para os pais, são produzidas pela profissional. Ela pede para que as pacientes contem a história da gestação e as escreve.
"Cada carta é diferente, porque cada história é diferente", diz.
No hospital, cerca de 230 partos são realizados todos os meses. Somente no segundo semestre do ano passado, Cláudia Michele participou de cerca de 200 partos, fotografando, escrevendo cartas, fazendo prints.
O serviço é voluntário e totalmente gratuito para os pacientes. Em 2023, com a oficialização, o projeto passou a contar com a participação de 17 alunos dos cursos de enfermagem, psicologia e fisioterapia, da universidade.
Outra iniciativa da técnica em enfermagem é deixar que os pais vistam seus filhos pela primeira vez, como uma forma de aumentar os laços. As ideias criadas pela profissional agora também são seguidas por outros profissionais da unidade hospitalar.
Print de placenta registrado na maternidade Ana Bezerra, em Santa Cruz, RN — Foto: Cláudia Michele
Outras iniciativas do projeto envolvem a música durante o parto. "A gente tem uma playlist, mas a mãe pode dizer uma música que ela gostaria de ouvir. E a gente coloca", explica.
Para a profissional, mais do que lembranças, as mães percebem principalmente um acolhimento especial, em cada ato.
Dor também retratada
O trabalho de Cláudia, também tem um lado difícil. Ao perceber que muitos pais só saíam da maternidade com o laudo de óbito do filho, ela também passou a retratar os bebês natimortos, bem como aqueles que vivem por poucos dias.
"Eu observei que essas mães muitas vezes não tinham nem um tempo para segurar seus bebês, para se despedir deles. Hoje os colegas são recomendados a deixar ela com o bebê o tempo que for necessário. Elas saíam só com um documento dizendo que ele estava morto. Mesmo em um momento triste, a foto e a carta são lembranças que elas terão daquele filho", comenta.
Ampliação
Gerente de atenção a Saúde do Hospital Universitário Ana Bezerra, Flavia Andreia Pereira Soares dos Santos aponta que a gestão tornou a iniciativa individual de uma servidora em projeto de extensão para que o Retratando com Afeto passasse a atender mais pacientes da unidade.
Foto de recém-nascido no Hospital Ana Bezerra, em Santa Cruz, RN — Foto: Cláudia Michele
"O projeto foi se propagando, a equipe foi entendendo a importância, os pacientes foram relatando o significado para vida deles e se tornou um projeto de extensão, para oportunizar que também os estudantes e professores participem. A adesão foi bem significativa, tivemos muitas inscrições de alunos e resultou que mais mulheres tiveram acesso a esse momento, porque são mais pessoas atuando no projeto", revela.
De acordo com ela, a proposta é que alunos de outros cursos da área de saúde que também têm o hospital como local de prática possam ingressar no projeto. Além da ampliação do projeto no próprio hospital, a instituição quer que a iniciativa também passe a se espalhar em outros hospitais universitários do país.
De acordo com a gestora, as inscrições para o projeto, na UFRN, são abertas a cada início de semestre e podem ser feitas a qualquer momento por meio do sistema interno da instituição.
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