No Caminho de Emaús
É estranho imaginar que aqueles homens eram discípulos, mas não puderam reconhecer o Senhor após ressurreto.
O capítulo 24 do Evangelho de Lucas contém uma das histórias mais fascinantes ocorridas após a ressurreição do Senhor que é seu encontro com os dois discípulos na estrada de Emaús. Esses homens, ainda muito abalados pelos acontecimentos que levaram Yeshua à cruz, estavam se dirigindo àquele vilarejo próximo de Jerusalém e conversando sobre “tudo o que havia sucedido” (v. 14). Ainda estavam entorpecidos pelos fatos que presenciaram na cidade durante aquela festa de Páscoa. Seus corações estavam pesados de profunda dor e tristeza. De repente, o próprio Senhor se aproxima, caminha com eles e se junta à conversa.
“Olhos como que fechados”
“Mas os olhos deles estavam como que fechados, para que o não conhecessem” Lucas 24:16. É estranho imaginar que aqueles homens eram discípulos, mas não puderam reconhecer o Senhor após ressurreto. Podemos especular várias coisas, mas as Escrituras afirmam simplesmente que “seus olhos estavam como que fechados”. Isso comprova que não dependia de os discípulos reconhecerem-no ou não, mas de um poder alheio a eles, fora de seu controle. Esse poder invisível emanava do próprio Messias ressurreto que não desejava se revelar enquanto caminhavam e conversavam.
O mesmo se deu no reencontro de José com seus irmãos no Egito. Eles não podiam reconhecê-lo, durante todo o tempo em que estiveram juntos, até o momento que José resolveu se revelar a eles. Eles estiveram diante do irmão que venderam como escravo muitos anos antes, mas eram incapazes de reconhecê-lo, pois seus olhos também “estavam como que fechados”. José aqui é um tipo do Messias que se revela a seus irmãos no momento oportuno, no tempo exato de Deus, sem atraso ou adiantamento.
Assim foi com aqueles discípulos a caminho de Emaús. Eles estavam diante do Senhor, caminhando a seu lado, ouvindo sua voz em uma explanação da Torá e de todos, sim, todos os profetas (v.27), o que deve ter sido uma das mensagens messiânicas mais fabulosas e eloquentes de todas as eras. No entanto, eram incapazes de reconhecê-lo, não porque não desejassem, mas porque seus olhos “estavam como que fechados”.
Esse é o estado atual de Israel como nação. Embora haja muitos cristãos messiânicos dentro e fora de Israel que compõem o corpo de Cristo, o povo como um todo é incapaz de reconhecer Yeshua como seu Messias. Isso porque seus olhos estão “como que fechados” até que se cumpra a plenitude dos gentios, quando o próprio Messias virá para livrá-los da destruição no fim dos dias. Então, Yeshua se revelará a eles e “todo Israel será salvo” (Romanos 11:25-26).
Com os olhos abertos
Ao se aproximarem do vilarejo, Yeshua continua a caminhar como se fosse para mais longe. E por que Ele fez isso? Porque queria ter a certeza de que os discípulos desejavam sua companhia. Yeshua era e continua sendo extremamente educado, e nunca entrará em nenhum coração ou nenhum lar, a menos que seja convidado.
“Quando estava à mesa com eles, tomou o pão, deu graças, partiu-o e o deu a eles. Então os olhos deles foram abertos e o reconheceram, e ele desapareceu da vista deles” Lucas 24:30,31 (NVI). Ao dar graças, Yeshua recitou Hamotzi ou a bênção do pão, parte o pão e o entrega aos discípulos. É exatamente nesse momento que seus olhos que, durante todo esse tempo, “estavam como que fechados” são abertos e eles o reconhecem.
Eles reconheceram Yeshua justamente ao ouvi-lo pronunciar a bênção do pão, a mesma que, durante três anos e meio, ouviram-no recitar inúmeras vezes. Não tinha como não reconhecer aquela voz proclamando aquelas palavras milenares da bênção, tão familiares a eles, não apenas a voz, mas a entonação, a cadência da fala, a maneira de erguer o pão, partir e distribuir aos presentes para mais uma refeição. Não havia momento mais propício de se revelar àqueles discípulos de quem tão pouco conhecemos, mas a quem certamente o Senhor muito amava.
O momento da refeição era um dos prediletos de Yeshua, pois comer junto é sinônimo de comunhão, e é exatamente no partir do pão que Ele decide “abrir-lhes os olhos” e se revelar. Que bela imagem deve ter sido aqueles discípulos reconhecerem Yeshua ressurreto, o Pão da Vida, no momento preciso em que recebiam o pão físico de suas mãos!
Ao proclamar a bênção do pão naquelas palavras milenares em hebraico, mesmo após a Ressurreição, Yeshua mostrou que, ainda que recebendo todo poder e autoridade do Pai, continuava um autêntico judeu, conservando suas raízes judaicas. É Ele quem nos concede o pão diário que faz brotar da terra para saciar nossa fome física. E é Ele também o próprio Pão da Vida que desceu do céu, foi morto e ressuscitou, “brotando da terra” para salvar todo aquele que nele crê.
Getúlio Cidade é escritor, tradutor e hebraísta, autor do livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo e do blog www.aoliveiranatural.com.br
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