Cada vez mais numerosos nos presídios, estrangeiros são cooptados pela facção
Estadão Conteúdo
A crise humanitária
venezuelana está se somando a uma crise carcerária e de segurança
pública brasileira no interior da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo
(Pamc), a maior de Roraima, com mais de 1,2 mil presos. Integrantes do
Primeiro Comando da Capital (PCC), que dominam o presídio e há um ano
foram responsáveis pela morte de 33 detentos, estão cooptando
venezuelanos que chegam cada vez em maior quantidade às cadeias locais.
Desde o fim de 2016, com o recrudescimento da crise política e
econômica na Venezuela, cujos impactos vão da precariedade do sistema de
saúde à pouca oferta de produtos nos supermercados, os vizinhos
decidiram migrar. A cidade de Pacaraima, na fronteira, e a capital Boa
Vista são as que notam os efeitos do fluxo, que deixa um rastro de
superlotação em abrigos públicos e um número incomum de pedintes nas
ruas.
A situação tem culminado na prisão de venezuelanos que se envolvem em
crimes como furto e roubo de celular, além da entrada ilegal de
combustível, e tráfico de drogas. Dados da Secretaria de Justiça de
Roraima mostram que de cinco venezuelanos presos o número passou para
mais de 60 em um ano. Quem se aproveitou disso foram os integrantes da
facção paulista PCC, que recrutam os estrangeiros para os quadros e
fortalecem a conexão internacional em busca de armas, drogas e lavagem
de dinheiro.
"Observamos que muitos venezuelanos foram cooptados pelo PCC. Por
meio do setor de inteligência, percebemos que esse contato com o país
vizinho vem se fortalecendo e tem relação com a imigração
descontrolada", afirmou à reportagem o secretário adjunto de Justiça e
Cidadania (Sejuc), capitão da PM Diego Bezerra de Souza.
A pasta, segundo Bezerra, tem um monitoramento dos integrantes da
facção, catalogação que inclui presos e também aqueles que já foram
soltos. Sobre os motivos que levam os venezuelanos a se aproximarem do
PCC, o capitão disse existir um "conjunto de fatores".
"Eles são intimidados e precisam se agregar a algum grupo para se
fortalecer, e isso tem acontecido principalmente com o PCC. Dificilmente
vemos venezuelanos entre os membros do Comando Vermelho (CV, facção do
Rio de Janeiro)", explicou.
Após o massacre em janeiro, a secretaria decidiu retirar todos os
inimigos do PCC que ainda estavam presos na Pamc. Eles foram levados
para a Cadeia Pública de Boa Vista, que se transformou em reduto do CV,
grupo criminoso que após os assassinatos viu despencar o número de
filiados.
A cônsul da Venezuela em Roraima, Gabriela Ducharne, disse nesta
quinta-feira, 4, que a situação é verdadeira, mas a falta de informações
fornecidas pelos presos impede que sejam tomadas providências. "Não
tenho muita informação porque eles não falam muito. Mas é verdade: estão
sendo obrigados a entrar nas facções senão sofrem as consequências.
Eles não falam muito, mas dizem que estão sendo incluídos. Alguns não
falam que são obrigados, só que estão fazendo parte."
Emergência
No dia 4 de dezembro, o caos migratório levou a governadora Suely
Campos (PP) a decretar situação de emergência no Estado. Na
justificativa, sustentou que o agravamento da situação se deu diante do
"inesperado e rápido aumento do número de imigrantes que chegaram a
Roraima, majorando significativamente o contingente de estrangeiros, sem
que possuam meios e condições para sua manutenção". Disse ainda que as
equipes estaduais enfrentam "sérias dificuldades" para dar apoio
humanitário e logístico, com riscos à saúde e segurança dos imigrantes e
da população local.
A Rodovia BR-174, que dá acesso à Penitenciária Monte Cristo, é a
mesma que, 200 quilômetros à frente, vai dar em Santa Elena de Uairén,
principal porta de entrada dos estrangeiros em território brasileiro na
região. Nas ruas de Boa Vista, a prefeitura ainda tenta impedir que
venezuelanos vendam produtos e limpem para-brisas nos semáforos, cena
pouco comum antes da onda migratória.
Dos 726 mil detentos no sistema prisional do País, há 2,6 mil,
estrangeiros, segundo relatório do Ministério da Justiça. Dos
estrangeiros, 56% são do continente americano. O relatório soma dados
relativos a julho de 2016, quando em Roraima havia 31 estrangeiros, 1,3%
dos presos do sistema local.
Procurado, o Ministério da Justiça não se posicionou sobre a atuação
do PCC em Roraima. Afirmou que o serviço de inteligência da pasta recebe
informes das polícias locais.
Sobre as deficiências do sistema prisional de Roraima, o secretário
adjunto, capitão Diego Bezerra, disse esperar melhorias ao longo de
2018, com a reforma da Pamc, construção de uma unidade em Rorainópolis, a
cerca de 290 quilômetros da capital, e de uma nova cadeia. Tudo isso,
conta o secretário, deverá reduzir o déficit de 1,2 mil vagas. O Estado
tem um total de 2,7 mil presos.
Ele ainda atribui os problemas que persistem na Monte Cristo a "mais
de 20 anos de descaso, abandono e falta de investimento na área". "Não é
da noite para o dia que se resolve o problema".
Questionado sobre o risco de novas mortes, o secretário disse não
acreditar em novos episódios como o massacre de janeiro, mas afirmou que
as mortes infelizmente acontecem. "Como acontecem em qualquer lugar do
mundo", afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Alexandrepfilho via JCNET
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