
Em um dia como hoje (31),
há 25 anos, o jornalista Jorge Tadeu da Silva, levantou cedo e saiu de
sua casa, na rua Luís Orsini de Castro, no Jabaquara, zona sul de São
Paulo, para dar aula de português em um colégio particular ali perto.
Mal chegou à escola, uma pessoa da secretaria o procurou dizendo que seu
irmão estava ao telefone.

“Achei estranho. Mas fui lá [atender]. Devia ter acontecido
alguma emergência. Ele falou, com uma voz meio assustada, que um avião
tinha caído em cima da minha casa e que eu precisava ir para lá. Em
princípio, achei que ele estava brincando”, contou Silva, em entrevista à
Agência Brasil.
O jornalista morava em um sobrado geminado:
seus pais eram seus vizinhos de parede. E foi justamente nessa casa que
parte do avião Fokker 100, da TAM (empresa que foi fundida com a Lan e
se tornou a Latam) caiu, por volta das 8h26 da manhã do dia 31 de outubro de
1996. "Eles [meus pais] estavam na casa. Eles haviam acabado de sair da
cama e estavam no andar de cima, descendo para tomar o café da manhã,
quando o avião caiu", disse.
Silva mostra à reportagem uma foto da época,
estampada em um jornal, que mostra um trem de pouso do avião dentro da
casa dos pais. Felizmente, todos da família sobreviveram. O pai teve
apenas uma queimadura no braço. Foi levado ao hospital, mas no mesmo dia
foi liberado. O acidente, no entanto, jamais foi esquecido pela
família. E provocou traumas.
“Para meus pais, que tinham mais idade, foi um período muito difícil, que marcou muito a vida deles. Eles passaram a ter dificuldade de dormir no escuro", relatou. “Eu tenho memória olfativa, para você ter uma ideia. O cheiro era muito desagradável e ficou marcado."
No aeroporto
Pouco antes de o acidente acontecer, Sandra
Assali havia levado seu marido, o médico cardiologista José Rahal Abu
Assali, para o aeroporto de Congonhas. Naquele mesmo dia, ele daria aula
em um congresso no Rio de Janeiro e retornaria a São Paulo.
“Eu levei meu marido ao aeroporto. Tinha o
hábito de levá-lo porque ele viajava muito. Morávamos perto do
aeroporto, então, quando possível, eu o levava. E naquele dia não foi
diferente. Eu deixei ele lá e, como ele viajava muito, ele chegava já
bem próximo do horário de embarque”, contou Sandra. “Era um dia normal,
de rotina. Ele voltaria no mesmo dia. Eu me despedi dele e fui embora.
Meia hora depois tive a confirmação do acidente, de que ele tinha
morrido”, afirmou.
Ela não viu o acidente acontecer. Mas quando
já havia saído do aeroporto e estava dentro do carro, chegou a ouvir um
barulho. “Ouvi um grande barulho e vi um grande clarão, apesar de ter sido
de manhã. Naquele momento eu achava que era [algo] num posto de
gasolina. Na verdade, você nunca imagina que pode ser um avião”,
destacou.
Ela só ficou sabendo do acidente depois. A
lista dos passageiros que morreram com a queda e a explosão do avião ela
soube pela TV. Da companhia aérea, Sandra jamais recebeu um telefonema
sobre a morte do marido.
Cenário de guerra
Ao saber do acidente pelo irmão, Jorge Tadeu
da Silva voltou correndo para casa. Ele lembra de estar tudo em chamas e
de ter se juntado aos vizinhos na tentativa de abrir alguns portões e
gritar por sobreviventes. Segundo ele, o avião destruiu oito casas na
sequência.
"Ele pegou a minha na parte da frente. Na
dos meus pais, um pouco mais a estrutura da frente. Na terceira casa, a
parte principal da fuselagem caiu. E o cockpit do avião, a ponta do
avião, percorreu mais cinco ou seis casas cortando elas pelo meio.
Imagine um cenário de destruição, muito fogo. O avião havia acabado de
decolar e estava com o tanque cheio. Estava abastecido para o voo até o
Rio de Janeiro", lembrou.
"A primeira visão que eu tive foi essa: de
uma cena clichê de um bombardeio de guerra ou algo assim. Era muito
fogo, muita fumaça preta. Você via os destroços, mas não conseguia ver o
que que era, na hora", completou.
O avião havia acabado de sair de Congonhas, aeroporto de São Paulo, com destino ao Rio de Janeiro.
Mas apenas 24 segundos depois, de acordo com relatório final elaborado
pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos
(Cenipa), a aeronave bateu em três prédios e caiu em cima de diversas
casas na Rua Luis Orsini de Castro, a cerca de 2 quilômetros do
aeroporto. Com a queda, o avião pegou fogo matando todos as 96 pessoas a
bordo. Três pessoas que estavam no solo também morreram.
Uma das vítimas em solo era um pedreiro que
trabalhava no telhado de uma casa, contou Silva. As duas outras vítimas
foram um professor, que estava em sua garagem no momento do acidente, e
um parente dele, que sofreu queimaduras severas, chegou a ser socorrido,
mas morreu 30 dias após o acidente.
"De maneira surpreendente, apenas três
pessoas no solo faleceram. Para um acidente desse porte, numa área
urbana, foi realmente um milagre. É uma rua em que muitas crianças usam
para ir para a escola. Mas devido ao horário, tinha pouca gente na rua",
disse.
Após a tragédia, Silva teve uma grande
vontade de escrever sobre o acidente. Ele começou a pesquisar sobre
desastres aéreos e criou um site para falar sobre o assunto. “Mais para
frente, vim a saber com uma psicóloga que eu estava usando uma maneira
de lidar com o luto ou com o estresse pós-traumático, que é escrever
sobre o assunto".
Quanto ao sobrado geminado, ele foi
reformado com o dinheiro que os pais tinham guardado antes do acidente.
"A gente [reconstruiu uma das casas] com recursos próprios, recursos que
meu pai tinha guardado. E, ao longo de dez anos, fomos reconstruindo a outra, mas não no mesmo padrão”, contou.
Da empresa, o dinheiro de indenização
demorou a chegar. "Foi um processo longo para recuperar [o que foi
perdido no acidente] e sem receber a indenização porque as propostas [da
empresa] eram absurdas. Foi levado para a Justiça porque não houve
acordo. Levou muito tempo para a gente conseguir receber alguma coisa.
Levou, na verdade, onze anos", disse ele, relembrando que recebeu a
indenização no ano em que um outro avião da TAM caiu em Congonhas, em 2007, matando 199 pessoas.
Hoje, ele continua vivendo na mesma rua, no imóvel que antes era ocupado por seus pais.
Associação
Sandra tinha dois filhos à época do
acidente: um menino, de 7 anos, e uma menina, de 4. Sem receber o apoio
necessário da empresa, ela e outros parentes de vítimas criaram a
primeira associação de parentes de vítimas de acidente aéreo do Brasil, a
Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes
Aéreos (Abrapavaa), da qual ela é presidente. A associação ajudou a mudar a aviação no Brasil, principalmente em relação à indenização e ao tratamento dispensado aos familiares das vítimas de acidentes com aeronaves.
Sandra também passou a escrever sobre o episódio, publicando dois livros. O primeiro deles, O Dia que Mudou a Minha Vida, foi lançado em 2017, quando a tragédia completou 20 anos. O segundo, Acidente Aéreo – O que Todo Familiar de Vítima Pode e Deve Saber, foi lançado em março deste ano e pretende ser um guia para orientar famílias sobre direitos em caso de acidente aéreo.
O acidente
A queda do avião foi provocada por uma falha
no reversor da turbina direita (o freio aerodinâmico), que abriu
durante a decolagem. O reversor é um equipamento que se abre para ajudar
a aeronave a desacelerar, preparando o avião para o pouso. Mas, naquele
dia, o equipamento abriu na decolagem, em pleno voo. Isso foi como
acionar o freio no momento em que a aeronave precisava acelerar para
ganhar mais sustentação. Um problema para o qual o piloto e o co-piloto
não haviam sido treinados, já que as chances de que isso ocorresse eram
raríssimas.
“O manual da Fokker 100 dizia que não havia
necessidade desse tipo de treinamento porque a possibilidade era de uma
em um milhão do reverso abrir em voo. Ou seja, os pilotos, dentro do que
tinham de treinamento, fizeram o que sabiam. Não eram treinados para
essa eventualidade", disse Sandra Assali.
“Um acidente aéreo, como eu sempre digo,
acontece sempre por vários fatores. Nunca é um fator só”, destacou Mário
Luiz Sarrubbo, procurador-geral de Justiça do estado de São Paulo, em
entrevista à Agência Brasil. Sarrubbo foi o promotor do caso à época.
Antes de decolar de Congonhas com destino ao Rio de Janeiro, naquela manhã de quinta-feira,
o Fokker tinha feito uma viagem de Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, para
São Paulo. Quando o piloto desse voo chegou a Congonhas, ele relatou
aos tripulantes do voo seguinte que um alarme havia indicado um defeito
no acelerador automático, o chamado autothrottle, um mecanismo
que ajuda o piloto a controlar a velocidade da aeronave, mas que não é
essencial para o voo. Durante a investigação, se descobriu que o
problema, na realidade, não estava no autothrottle, mas no reversor de uma das turbinas.
“Interessante é que até hoje a
gente não sabe se o reverso abriu em voo anteriormente em outros
locais, porque a tripulação que levou o Fokker para Congonhas naquele
dia reportou para o piloto que assumiu o voo [de São Paulo para o Rio de Janeiro] que o controle de acelerador automático, chamado de autothrottle, estava com defeito, que o manete [alavanca que acelera
ou reduz a potência do motor] estava voltando em algum momento. Por
isso, o piloto [do voo que caiu] foi enganado. Não era o acelerador
automático. No caso dele, era o reverso em voo, que acabou sendo o fio
da tragédia”, disse o procurador-geral.
“Os fatores determinantes para a queda da aeronave: um relé [espécie de interruptor elétrico] que entrou em curto, e o piloto ter sido
induzido a erro em função da movimentação do manete em decorrência
desse curto”, explicou o promotor. “A possibilidade do reverso abrir em
voo era muito pequena. Por isso, o piloto nem pensou em reverso em voo”,
acrescentou.
Se o piloto tivesse conhecimento de que o
problema no avião era o reverso, seu procedimento no voo teria sido
outro, acredita Sarrubbo. “Ele desligaria aquele motor e alternaria para
Cumbica, pousaria ali, não iria para o Rio de Janeiro.
Ele faria alternância para Cumbica, desligaria aquele motor - o reverso
pode ficar aberto com o motor desligado, e ele pousaria em Cumbica com
toda a segurança e nada aconteceria.”
Após a investigação sobre as causas do
acidente, nenhuma pessoa foi responsabilizada pela tragédia. “Na nossa
manifestação, arquivamos o inquérito policial porque entendíamos que não
dava para se atribuir culpa criminal a quem quer que fosse. Foi
realmente uma situação absolutamente inusitada”, disse Sarrubbo. “Não
havia nenhuma responsabilidade em nível pessoal criminal que pudesse
fazer com que fizéssemos um processo criminal. Fui o autor do
arquivamento porque realmente, sob o prisma do crime, não havia nenhum
tipo de responsabilização. Foi mesmo inusitado”, relembrou.
Latam
Procurada pela Agência Brasil, a Latam informou não ter hesitado
em “dar assistências às famílias das vítimas, mesmo não tendo
protocolos e normas globais para assistência humanitária”.
Segundo a empresa, “todas as famílias das vítimas envolvidas [no acidente] foram indenizadas”.
A Latam disse ainda que tem um plano
robusto, estruturado e detalhado de resposta à emergência cuja premissa
número um é a “segurança é valor inegociável”. Esse plano, de acordo com
a empresa, contempla dez pontos, que prevê, por exemplo, atendimento e
assistência às famílias envolvidas.
Fonte: Agência Brasil
Edição: Lílian Beraldo