O Tribunal Especial Misto (TEM) aprovou hoje (30) o impeachment
do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que já estava
afastado e perdeu o cargo de forma definitiva com a decisão. Como
consequência, o governador em exercício, Cláudio Castro, se tornará o
governador de fato.

Foram 10 votos a favor do impedimento e
nenhum contra. O tribunal misto decidiu também que o ex-governador do
Rio de Janeiro ficará inelegível por cinco anos.
Witzel está afastado do cargo desde agosto
do ano passado e foi denunciado pelo Ministério Público Federal por
participação em um esquema de desvios de recursos na área da saúde, que
seriam aplicados no combate à pandemia de covid-19.
No processo de impeachment, Witzel foi
condenado por crimes de responsabilidade na resposta do governo do
estado à pandemia, e, especificamente, pela requalificação da
organização social (OS) Instituto Unir Saúde ao assumir contratos com a
administração pública e a contratação da OS Instituto de Atenção Básica e
Avançada à Saúde (Iabas) para a construção e gestão de hospitais de
campanha no ano passado.
Para ser condenado, Witzel precisava receber
sete dos dez votos no tribunal misto, que era composto pelos
desembargadores Teresa Castro Neves, Maria da Glória Bandeira de Mello,
Inês da Trindade, José Carlos Maldonado e Fernando Foch e pelos
deputados estaduais Waldeck Carneiro (PT), relator do processo,
Alexandre Freitas (Novo), Chico Machado (PSD), Dani Monteiro (PSol) e
Carlos Macedo (REP).
Acusação
O julgamento pelo Tribunal Especial Misto
(TEM) teve início às 9h33, com a manifestação da acusação, feita pelo
deputado estadual Luiz Paulo (Cidadania), co-autor da denúncia feita na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), junto com a deputada
Lucinha (PSDB). Segundo ele, foi comprovado que Witzel cometeu crime de
responsabilidade punível, “visto a existência de atos ímprobos cometidos
contra a administração pública estadual e a tipificação dos mesmos
conforme prescreve a lei federal 1.079/50”.
As acusações são a respeito da contratação
das OSs Unir e Iabas para a prestação de serviços de saúde no âmbito das
ações de combate à pandemia de covid-19 com a criação de uma “caixinha
da propina” de 20% dos valores dos contratos.
Segundo o deputado Luiz Paulo, os fortes
indícios de fraudes levaram a três operações do Ministério Público
Federal: Placebo, Favorito e Filhote de Cuco. Sobre a OS Unir, o
deputado destacou que ela foi desqualificada em outubro de 2019 e teve
os contratos rescindidos. Porém, no dia 24 de março de 2020, depois da
decretação da emergência sanitária no estado, a desqualificação foi
revogada, sendo novamente desqualificada no dia 15 de maio, após a
Operação Favorito”.
“A requalificação da Unir foi ato ímprobo,
que não atendeu o interesse público e a sua desqualificação em seguida
foi uma tentativa de se dar uma falsa aparência de imparcialidade,
quando os atos ímprobos já haviam sido descobertos pelas operações”,
afirmou a acusação.
Sobre o Iabas, Luiz Paulo destacou que a OS
tinha 96% dos contratos com o Estado com avaliação de desempenho com
conceito C, ou seja, o pior de todos. E, mesmo assim, celebrou em abril
de 2020 contrato de R$835,8 milhões para a construção e gestão de sete
hospitais de campanha.
“Não houve justificativa pertinente para a
sua escolha. O montante inicial de R$256,6 milhões foi empenhado e pago,
sendo que foram entregues apenas dois hospitais – Maracanã e São
Gonçalo – e apenas o do Maracanã funcionou por breve tempo e sob muitas
ilegalidades, como sobrepreço e superfaturamento”.
Defesa
A defesa de Witzel teve 30 minutos para
fazer as considerações e negou todas as acusações. Os advogados Bruno
Albernaz e Eric de Sá Trote afirmaram que o governador não foi o
responsável pelas decisões de contratação das organizações sociais
tomadas por seus secretários e sub-secretários e pediram a anulação do
processo.
“Se socorreu a todo o tempo de elementos
estranhos aos autos, denúncias do MPF que sequer passaram pelo crivo do
contraditório no processo originário, elementos alienígenas à demanda. O
que foi até difícil para o governador se defender dos atos aos quais
estão sendo imputados a ele”, afirmou a defesa.
Os advogados fizeram três alegações preliminares para pedir a nulidade do impeachment.
A primeira pedia que fosse decretada a inépcia da denúncia, por “falta
de clareza na delimitação das acusações”, além da nulidade absoluta do
processo por “falta de apresentação do libelo acusatório”, que é a
delimitação do fato que está sendo julgado.
A segunda dizia que a Súmula Vinculante nº
14 do Supremo Tribunal Federal (STF) não foi respeitada, que fala sobre a
imprescindibilidade de acesso a todas as provas relevantes. Para a
defesa, o desrespeito se deu pelo falta de juntar ao processo a íntegra
da delação premiada do ex-secretário de Saúde Edmar Santos. A terceira
preliminar alegou cerceamento de defesa por ter sido negada a produção
de prova pericial prática, com relação à contabilidade dos pagamentos
feitos à Unir e das obras e serviços de hospitais de campanha pelo
Iabas.
Todas as preliminares foram rejeitadas por unanimidade, seguindo o relator.
Witzel
Em sua conta no Twitter, logo após o início
do julgamento pelo TEM, o governador afastado Wilson Witzel afirmou que
não desistirá do cargo e acusou o processo de ter motivação política.
Relator
O deputado Waldeck Carneiro (PT), relator do processo de impeachment ,
votou pela procedência das acusações. Em seu voto, que durou mais de
duas horas, Carneiro acolheu integralmente os dois eixos da acusação e o
pedido para a condenação à perda do cargo, além da inabilitação para o
exercício de qualquer função pública por cinco anos.
O deputado considerou que Witzel “agiu de
modo oposto ao que se espera de um governante e líder, no sentido de
proteger, cuidar e representar os legítimos interesses da população que
governa e lidera”; que ele é “particularmente conhecedor da Lei e das
obrigações inerentes ao ocupante de cargo público”, já que foi juiz
federal por quase 18 anos; que os atos praticados “têm relação com os
números devastadores de mortos e infectados pelo novo coronavírus, no
âmbito do estado do Rio de Janeiro”; e que os atos “ferem frontalmente a
dignidade, a honra e o decoro do cargo público que ocupava”.
Votação
O primeiro a votar foi o desembargador José
Carlos Maldonado, que julgou que as acusações foram demonstradas de
forma inquestionável. Em relação à requalificação da OS Unir, o
magistrado afirmou que a pandemia "serviu de pano de fundo para o
acusado trazer de volta a organização social", ato que classificou de
"ímprobo, imoral e desarrazoado". "Não houve, como deveria, qualquer
análise técnica, financeira ou a realização de uma simples auditoria.
Prevaleceu apenas a vontade pessoal e política do governador".
Em seguida, votou o deputado estadual Carlos
Macedo (Republicanos). "Estamos, ainda hoje, vivenciando os efeitos
dessa malfadada pandemia, que talvez não teria ceifado tantas vidas no
nosso estado, caso o poder público tivesse atuado no momento oportuno",
destacou o parlamentar, que também acompanhou o relator.
Terceiro a votar, o desembargador Fernando
Foch afirmou que a administração pública teve setores loteados por
outros investigados no esquema, e que as provas testemunhais “são
fortíssimas” no sentido de que “os contratos eram malfeitos, elaborados
para não funcionar, tinham execução extremamente insuficiente, não
fiscalizada pelo poder público, e, acima de tudo, lesiva aos interesses e
aos cofres públicos".
Os votos seguintes, do deputado Chico
Machado (PSD), da desembargadora Teresa Andrade e do deputado Alexandre
Freitas (Novo) também foram favoráveis ao impedimento do governador.
Freitas considerou que as provas em relação à contratação da Iabas não
eram suficientes para vincular Witzel ao esquema, e votou a favor da
condenação considerando apenas a requalificação do Instituto Unir.
A maioria necessária para o impeachment foi
formada no voto da desembargadora Inês Trindade, que afirmou que, ao
contrário do que pregou em sua campanha, Witzel não era um "outsider"
da política antes de ser eleito e mantinha relações com personagens
influentes quando ainda era magistrado. "A aposta de nova política era
uma roupagem disfarçada para esconder a velha política ímproba", disse.
O voto da deputada Dani Monteiro (PSOL) foi o oitavo a favor do impeachment
e destacou que a população fluminense foi diretamente afetada em seu
direito à saúde, já que a denúncia comprova, além do favorecimento das
organizações sociais, o descontrole, a falta de transparência e a
ausência de critérios técnicos nesses contratos.
"Não restam dúvidas de que essa prática
custou milhares de vidas de cidadãos fluminenses", disse Dani Monteiro,
que votou pela integral procedência da acusação.
Matéria alterada às 20h30 com o resultado final do julgamento.
Fonte: Agência Brasil
Edição: Aline Leal