Estudo Teológico Nº 57
Por Markus DaSilva, Th.D.
O ensino de Jesus que cobriremos neste estudo da série
sobre o Sermão da Montanha está no meio de três ensinos interligados e
relacionados com possessões materiais. Todos os três ensinos envolvem
uma dicotomia, ou dois pontos opostos, onde teremos que escolher entre a
opção que nos manterá aqui nesta terra e posteriormente sermos lançados
no fogo do inferno (Mat 25:41)
e a opção que nos qualificará para recebermos a graça da salvação e
subirmos com Jesus na sua volta para recolher aqueles que o Pai lhe deu (Mat 24:31).
No primeiro ensino, que abordamos no estudo anterior, Jesus nos
apresenta a escolha entre um tesouro aqui na terra e um no céu. No
terceiro ensino — que cobriremos no próximo estudo — Jesus nos apresenta
a opção do mestre que queremos servir: Mamon ou Deus. Neste presente
estudo, utilizando de uma linguagem figurativa, Jesus nos apresenta a
escolha do tipo de olhos que queremos desenvolver: olhos bons que não se
fixam nos nossos bens e com alegria compartilhamos o que temos com os
nossos irmãos, ou olhos maus, onde as riquezas deste mundo nos
transformam em pessoas egoístas e corrompem a capacidade da visão de
distinguir a luz das trevas: “A lâmpada do corpo são os olhos; de sorte
que, se os teus olhos forem bons, todo teu corpo terá luz; se, porém, os
teus olhos forem maus, o teu corpo será trevas. Se, portanto, a luz que
em ti há são trevas, quão grandes são tais trevas!” (Mat 6:22-23).
“É através das coisas que entram na nossa mente, primariamente pelos olhos, que adquirimos conhecimento, desenvolvemos interesses e estabelecemos prioridades para tudo aquilo que consiste a nossa vida.”
Os Olhos Representam Tudo Aquilo Que Procuramos Nesse Mundo
Antes de entrarmos no estudo mais detalhado da passagem é importante
que entendamos a aplicação geral das palavras de Cristo. Quando Jesus
nos diz que os olhos são a lâmpada [Gr λυχνος (lirnos) lâmpada, candeia] para o corpo [Gr. σωμα (soma) corpo],
o significado principal da metáfora deveria ser óbvio para todos. É
através das coisas que entram na nossa mente, primariamente pelos olhos,
que adquirimos conhecimento, desenvolvemos interesses e estabelecemos
prioridades para tudo aquilo que consiste a nossa vida. Enquanto estamos
na barriga da nossa mãe, ainda que já vivos, não temos acesso a nenhum
tipo de informação que possa nos influenciar para o bem ou para o mal, a
nossa alma é neutra quanto ao pecado, uma vez que não existe nada para
processar e nem temos ainda a capacidade mental para fazê-lo. Algum
tempo depois do nosso nascimento, porém, começamos a nos expor a todos
os tipos de influências que guiarão a nossa vida para uma ou outra
direção. Se apenas permitimos que o bem entre na nossa mente, então a
nossa vida estará cheia do bem, mas se consentimos que o mal entre,
então não devemos nos surpreender que o mal esteja sempre presente no
nosso viver. Neste sentido, os olhos são a lâmpada e o corpo é a vida; o
bem é luz e o mal é trevas.
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Uma Passagem Difícil de Traduzir
Desde os primeiros séculos do cristianismo, este trecho do Sermão da
Montanha tem causado dificuldades para os estudiosos dos evangelhos.
Parte da dificuldade tem a ver com duas palavras no grego, usadas tanto
no evangelho de Mateus como no seu paralelo em Lucas (Luc 11:34-35). A palavra traduzida por praticamente todas as versões da Bíblia como “bons” ou “saudáveis” [Gr. απλους (ápius)]
na realidade significa simples, sem dobras, ou descomplicado, mas
quando Jesus compara os “olhos bons” com os “olhos maus” a palavra usada
para “maus” não é o oposto de “simples”, que seria “complexo ou dobro” [Gr. διπλους (díplius)], mas sim [Gr. πονηρος (pôniros)]
que realmente quer dizer “mau”. Neste caso a maioria dos tradutores
optaram por usar o adjetivo “bom”, ainda que de fato não seja o
significado comum do grego [Gr. απλους (ápius)] para assim criar um melhor contraste para o adjetivo “mau” [Gr. πονηρος (pôniros)]. Ou seja, se a tradução fosse literal ela ficaria: [εαν
ουν η ο οφθαλμος σου απλους… εαν δε ο οφθαλμος σου πονηρος… (en un i o
oftalmos su ápius… en di o oftalmos su pôniros) Lit. se os teus olhos
forem simples… se os teus olhos forem maus]. Resumindo este
ponto, os tradutores não encontraram nos manuscritos originais o
contraste linguístico que esperavam encontrar na frase, que sao: [Gr. απλους (ápius) simples] – [Gr. διπλους (díplius) complexo] ou então [Gr. αγαθος (ágathos) bom] – [Gr. πονηρος (pôniros) mau].
Jesus Não Nos Alerta Apenas Contra a Mesquinhez
Devo esclarecer, todavia, que a tradução “olhos maus” possui o
respaldo das Escrituras. No judaísmo, a expressão possuir um “olho mau”
se referia à pessoa avarenta, não liberal com os seus bens, conforme
podemos confirmar em várias passagens: “Guarda-te, que não haja
pensamento vil no teu coração e venhas a dizer: vai-se aproximando o
sétimo ano, o ano da remissão; e que o teu olho não seja mau para com
teu irmão pobre, e não lhe dês nada; e que ele clame contra ti ao
Senhor, e haja em ti pecado” (Deut 15:9). “Não comas do pão do ‘olho mau’, nem cobices as suas deliciosas refeições” (Prov 23:6). “Aquele que tem um olho mau corre atrás das riquezas; e não sabe que há de vir sobre ele a pobreza” (Prov 28:22).
Conforme já mencionado no segundo parágrafo desse estudo, é muito
improvável, no entanto, que Jesus nos exortou apenas contra a mesquinhez
nesta passagem, pois a conclusão sugere uma advertência muito mais
séria e abrangente: “Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão
grandes são tais trevas!” (Mat 6:23).
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